Desigualdade no acesso à saúde
LGBTQIA+ dificulta combate a DTNs
Capacitação dos profissionais de saúde é fundamental para enfrentar a dupla jornada de estigmas quando lésbicas, gays, transgêneros e outros grupos são acometidos por doenças negligeniadas
A data que simboliza a luta pelos direitos da comunidade LGBTQIA+, 28 de junho, surgiu em meio a confrontos entre policiais e manifestantes dos Estados Unidos, no ano de 1969. Os protestos realizados para preservar o clube Stonewall Inn, em Nova York, representam desde então um fato histórico de enorme relevância para a comunidade por igualdade.
Infelizmente, mesmo após 54 anos deste evento e muitas outras lutas enfrentadas, o preconceito e a discriminação ainda persistem ao redor do mundo. Essa realidade tem um impacto significativo na vida dessas pessoas, incluindo o acesso à saúde plena.
No Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA +, a NHR Brasil suscita discussões acerca de como o acesso desigual à saúde vivenciado por pessoas da comunidade tem impacto negativo para enfrentar diversas enfermidades, incluindo Doenças Tropicais Negligenciadas como a hanseníase.
Desigualdade
Estudo de pesquisadores do Hospital Albert Einstein, em parceria com a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade de São Caetano do Sul, revela que 31% do grupo de pessoas LGBTQIA+ estão na pior faixa de acesso à saúde no país. Milton Crenitte, geriatra e co-autor da pesquisa, afirma que, com essa realidade, populações mais vulneráveis e minorizadas encontram maiores dificuldades para diagnosticar, prevenir, tratar e fazer o controle de diversas doenças, incluindo aquelas consideradas negligenciadas.
O médico destaca que o acesso à saúde para essa parcela da população se torna um processo complexo por vários fatores. “A maneira como o usuário percebe a disponibilidade do serviço em sua vida vai impactar na decisão dele de sair de casa e procurar ou não ajuda”, adiciona Milton.
Devido a episódios frequentes de violências de gênero e orientação sexual, a pesquisa avalia que a população LGBTQIA+ acredita que os serviços de saúde não estão disponíveis para atender suas reais necessidades. Esse sentimento surge também dentro de um contexto em que 53% das pessoas desses grupos, segundo o estudo, não acreditam que seus médicos estejam capacitados para lidar com as particularidades de sua saúde.
Duplamente Negligenciadas
Ainda há poucos estudos que investigam a associação entre a LGBTfobia e o adoecimento da comunidade, principalmente no que tange dados sobre os casos de doenças tropicais negligenciadas. No entanto, a psicóloga, mestre em saúde pública e gestora de projetos da NHR Brasil, Hellen Xavier, evidencia que em uma perspectiva ampliada, sabe-se que o estigma e a discriminação podem desencorajar pessoas LGBTQIA+ a buscar os serviços de saúde.
“Isso pode resultar em diagnóstico tardio, dificuldades de adesão ao tratamento e risco acrescido de apresentar complicações. Soma-se a isso o sofrimento mental intimamente relacionado a questões como exploração, estigma, discriminação e violências as quais a população LGBTQIA+ pode estar exposta”, aponta Hellen.
A professora universitária Luma Andrade, travesti e pessoa que foi acometida pela hanseníase, presenciou essa triste realidade em seu processo de diagnóstico. Ela relata que a suspeita de estar com a doença surgiu após ter feito pesquisas por conta própria. Só então conseguiu fazer exames e testes para tentar identificar o que tinha. Entretanto, o profissional que a examinou insistiu que sua condição era algo provavelmente associado a uma Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs).
A professora avalia que abordagens como a que relatou são muito comuns para pessoas da comunidade LGBTQIA+, uma vez que ao procurarem os serviços de saúde acabam tendo o atendimento resumido à investigação de casos de ISTs, “sempre associando essa questão da sexualidade como uma forma de punição”, aponta ela.
Outras formas de discriminação e violências são expostas por Luma, como o uso de pronomes inadequados para pessoas trans, a qual reforça que tal atitude contribui para inviabilizar o uso dos espaços de saúde por essa comunidade.
Mesmo após ter finalizado o tratamento, Luma passou a conviver com sequelas neurais da hanseníase, o que a classifica como Pessoa com Deficiência. Ela relata que, por não ser percpetível aos outros, sente receio de usufruir do seu direito de prioridade em diversas situações, como em filas e em uso de estacionamentos para PCDs.
“Eu tenho medo de alguém me xingar ou bater no meu carro, achando que eu estou fingindo ter alguma coisa. E isso dificulta minhas atividades no dia a dia como uma simples ida ao supermercado, por exemplo”.
Como superar essa realidade?
Para garantir o aumento da confiança nos serviços de saúde e a melhora no atendimento, é necessário que haja capacitação e um educação continuada dos profissionais de saúde na compreensão das experiências e desafios que a população LGBTQIA+ enfrenta, reforça Milton Crenitte.
Esse processo ajuda a interromper a perpetuação da discriminação e preconceito no âmbiente do serviço de saúde, contribuindo assim para a maior aderência aos exames preventivos e para a satisfação com os serviços prestados.
“Além disso, a abordagem a esse público deve ser guiada pelo acolhimento e cuidado humanizado, sobretudo pela possível sobreposição de estigmas direcionados a população LGBTQIA+ e às pessoas acometidas por alguma doença negligenciada”, acrecenta Hellen Xavier.
Em caso de LGBTfobia, denuncie!
De acordo com a Lei nº 10.948/2001, a discriminação em razão de identidade de gênero e orientação sexual é crime. Denuncie por meio do Disque 100, canal destinado à denúncia de violações dos direitos humanos.