Qual o impacto das mudanças climáticas na situação das DTNs?

Qual o impacto das mudanças climáticas na situação das DTNs

As Doenças Tropicais Negligenciadas (DTNs) são um grupo de enfermidades classificadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) por sua alta incidência em países tropicais e em comunidades em situação de vulnerabilidade socioeconômica. A falta de investimentos em novas tecnologias para o controle e prevenção dessas doenças são aspectos que as caracterizam como prioridade nas discussões sobre saúde e direitos humanos.

O Brasil concentra casos de nove das 10 principais DTNs em todo o seu território: hanseníase, leishmaniose, tuberculose, doença de Chagas, malária, esquistossomose, hepatites, filariose linfática e dengue. Estas doenças que acometem a população possuem origens variadas, podendo ser causadas por bactérias, parasitas ou vírus.

As enfermidades transmitidas por vetores, como a leishmaniose, malária, doença de chagas, dengue e filariose linfática são impactadas diretamente pelo clima. Para que o ciclo de transmissão aconteça, o vetor precisa de condições favoráveis para sua reprodução. É o que aponta o médico Carlos Henrique Costa Nery, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical e atualmente professor da Universidade Federal do Piauí.

“Primeiro, para que haja transmissão da doença é necessário que ocorra o período chamado de incubação extrínseco, em que o vetor é infectado e começa a transmitir a doença”, explica Carlos. Um período de incubação extrínseco mais curto é benéfico para o vetor, pois garante que ele tenha mais tempo para transmitir a doença até o fim do seu ciclo de vida.

Influência das Mudanças climáticas na situação epidemiológica das DTNs

As mudanças climáticas são provocadas pela elevação da temperatura da Terra, intensificada de forma extrema pelo aumento da produção de gases de efeito estufa devido a atividades industriais massivas. Por isso, as alterações climáticas que costumavam ocorrer em milhares de anos estão acontecendo em apenas algumas décadas. O aumento da temperatura global causa o derretimento das geleiras, elevando o nível do mar, entre outros eventos climáticos extremos como tempestades e secas intensas.

Especialistas discutem a relação entre os fenômenos climáticos extremos e o aumento nos índices das DTNs. Segundo Carlos Costa, o aquecimento global influencia o ciclo de vida dos vetores transmissores das doenças, que podem se adaptar a novas condições ambientais e se expandir para novos territórios. Além disso, as mudanças de temperatura exercem influência no desenvolvimento e na sobrevivência dos animais, fator crucial para a propagação de vetores das DTNs.

A dengue é um exemplo dessa movimentação, pois é uma doença que vem se expandindo desde o século XVI e atualmente é endêmica em mais de 100 países (OMS, 2022), com surtos explosivos de casos cada vez mais frequentes devido ao aumento da duração das estações de transmissão dos mosquitos aedes aegypti.

Populações em vulnerabilidade social correm maior risco nesse cenário

Diante das mudanças climáticas e do aumento das DTNs, as populações mais pobres e marginalizadas estão particularmente vulneráveis a essas doenças. A falta de infraestrutura, moradias adequadas e saneamento básico aumentam o risco de infecção pelo grupo de enfermidades que afetam as regiões tropicais, destaca Alexandre Menezes, epidemiologista e diretor executivo da NHR Brasil.

As pessoas que vivem em moradias precárias e comunidades periféricas, sem a assistência adequada do Estado, e que estão sujeitas a situações como alagamentos e desmoronamentos de terra estão expostas a maior risco de contágio dessas doenças, agravando ainda mais as condições de saúde e vida dessas comunidades. Desta forma, os eventos climáticos extremos não apenas favorecem a disseminação de doenças, mas também podem causar acidentes fatais.

Estratégias de Contenção de Danos

Para Carlos Costa, o fortalecimento da atenção primária na saúde é uma das estratégias para o enfrentamento às DTNs nesse contexto. “É preciso que se dê uma racionalidade institucional para benefício do usuário e não da meta de serviço”, diz ele, atentando para uma realidade dos sistemas de saúde que ainda necessita ser mais voltada para o interesse da população como um todo.

“Por mais que ativistas tenham alertado fortemente as autoridades no mundo todo sobre a necessidade urgente de que sejam tomadas medidas mais efetivas para reduzir a emissão de gases que provocam o aquecimento global, efetivamente pouco tem sido feito para mudar esse cenário”, afirma Alexandre Menezes. Segundo ele, é esperado que haja intervenções mais efetivas para interromper esse cenário, o que depende de acordos entre governos e mudanças no modo de produção e exploração dos recursos naturais.

“A nível local, as autoridades devem garantir melhorias nas políticas sociais, como políticas habitacionais e maiores investimentos na área da educação”, evidencia Alexandre. Considerando a ameaça crescente das doenças tropicais negligenciadas e o agravamento dos efeitos das mudanças climáticas, é crucial que medidas efetivas sejam tomadas para proteger as populações mais vulneráveis. Nesse sentido, Alexandre, assim como Carlos Costa, destaca o fortalecimento da atenção primária à saúde e da vigilância epidemiológica como estratégias fundamentais para reduzir o risco de contágio dessas doenças entre as populações em vulnerabilidade social.