Joanda Gomes imagem principal

Após uma vida de desafios com a doença de Chagas, Joanda Gomes hoje é uma das lideranças fortalecidas pela NHR Brasil para a atuação comunitária.

Fraqueza, tontura, desmaios constantes. Esses foram sintomas que Joanda Gomes, de 54 anos, teve que aprender a conviver antes mesmo de completar 10 anos de idade. Na época, Joanda morava com a avó e mais sete irmãos no município de Maraial, em Pernambuco, e precisava trabalhar em uma plantação de cana-de-açúcar para ajudar a sustentar a casa.

Foi ali que Joanda começou a apresentar os primeiros sintomas da doença de Chagas, mas o diagnóstico só foi possível depois de anos de muitos desafios. Como não tinha forças para continuar o trabalho na roça, a menina começou a trabalhar como babá e empregada aos onze anos de idade, em Recife.

Os sintomas continuaram apesar da mudança de trabalho, até que a patroa de Joanda a encontrou inconsciente no quarto de empregada, cerca de um ano depois. Levada às pressas a um hospital, Joanda foi submetida a uma cirurgia para a implantação do marcapasso após a equipe médica constatar que ela tinha insuficiência cardíaca.

Depois do incidente, a menina foi encaminhada para um ambulatório, onde deveria realizar exames periódicos de acompanhamento. O acesso à assistência, porém, era comprometido por dificuldades financeiras e de acesso ao transporte entre diferentes municípios. Enquanto isso, Joanda teve que retornar à casa da avó, onde era hostilizada por não conseguir trabalhar e contribuir com as despesas domésticas.

Foi então que a avó a enviou para morar com um homem mais velho. Com apenas 13 anos, Joanda acreditava que estava indo somente para cuidar dos serviços domésticos – mas logo descobriu que deveria tomar aquele homem como “marido”. Em meio a abusos constantes, a menina continuava com a saúde debilitada, sentido os sintomas do que não sabia ser a doença de Chagas.

Joanda teve a primeira filha aos 19 anos. Em consultas de acompanhamento no puerpério, ela foi encaminhada por um cardiologista para o Ambulatório de Doença de Chagas e Insuficiência Cardíaca do Pronto Socorro Cardiológico Universitário da Universidade de Pernambuco (Procape/UPE), que na época funcionava no Hospital Universitário Oswaldo Cruz da UPE (Huoc).

Foi então que Joanda recebeu o diagnóstico da doença de Chagas e as primeiras informações sobre a enfermidade, dando início a um tratamento cardiológico associado ao uso do marcapasso. Mas os desafios não pararam por aí. Como resultado de limitações financeiras, dificuldades com transporte e mau atendimento de alguns profissionais de saúde, Joanda foi desencorajada a continuar o tratamento.

Isolada e sem acompanhamento médico, Joanda enfrentou muita discriminação das pessoas com quem convivia por conta do diagnóstico. Ela relata que eles a tratavam como se ela tivesse a pior e mais contagiosa doença, e sua sogra chegou a proibir que ela se aproximasse e amamentasse a própria filha.

Joanda Gomes retrato

Superando os desafios

Foi apenas aos 23 anos que Joanda começou a seguir o tratamento à risca, após ser levada em uma ambulância para o hospital por causa de um desmaio. Já muito debilitada, ela retomou o acompanhamento no ambulatório e passou a ser atendida por uma equipe multidisciplinar e multiprofissional, formada por voluntários da Associação dos Portadores de Doença de Chagas e Insuficiência Cardíaca de Pernambuco (APDCIM), que atua integrada ao ambulatório.

"Se não fosse o tratamento, eu não estaria aqui conversando”, afirma Joanda, que complementa ao dizer que provavelmente já teria “batido as botas”. Essa mudança só foi possível, segundo ela, porque os profissionais que a destrataram não estavam mais atuando no local. No lugar deles, estava uma equipe tão acolhedora que, aos poucos, Joanda passou a fazer parte da iniciativa. "Aí eu fui mais bem tratada, até chegar ao ponto de participar como ajudante dentro do ambulatório. Mas por conta de quê? Do bom tratamento”, complementa.

Os impactos do apoio que estava recebendo transformaram sua vida pessoal. Com as informações que aprendeu e o acolhimento de diversos profissionais, inclusive psicólogos, Joanda encontrou forças para enfrentar o preconceito do qual era alvo. Sua segunda filha, nascida nove anos depois da primeira, foi amamentada corretamente e desfrutou do contato e carinho maternos.

Além disso, foi por meio do envolvimento na associação que Joanda decidiu cursar um supletivo para aprender a ler e escrever. O desejo de superar o analfabetismo surgiu ainda nos anos 2000, quando ela recusou o convite para se tornar presidenta da associação por não se sentir capacitada. Atualmente, ela ocupa a presidência da entidade e se sente capaz para ajudar no que for preciso.

Joanda Gomes Curso de lideranças

A participação de Joanda no Curso de Lideranças da NHR Brasil trouxe novas ideias para inspirar a luta comunitária da paciente.

Engajamento e liderança

Sentindo o impacto que o tratamento e apoio adequados poderiam trazer para quem convive com a doença de Chagas, Joanda percebeu que poderia ajudar as demais pessoas atendidas na associação. “Tinha outros como eu. Tinha muita gente em uma salinha apertadinha, muitas demandas e gente para ser ajudada”, responde ao ser questionada sobre o que a motivou a fazer parte da associação.

Joanda apoiou as atividades da entidade de várias formas ao longo dos anos, auxiliando desde a organização dos documentos no arquivo do local à realização de bazares para arrecadação de fundos. Hoje, o seu foco é oferecer acolhimento às novas pessoas que chegam na associação. “Conversar com os pacientes, contar a minha história. Dizer que a doença não é como eles pensavam, que ter Chagas não é o fim”, ela complementa.

O trabalho voluntário de Joanda ganhou impulso com a participação dela no novo ciclo de formação do Curso de Fortalecimento de Lideranças da NHR Brasil. O curso contou com três módulos virtuais realizados entre os meses de agosto e outubro de 2021, e foi financiado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Joanda declara que as informações absorvidas durante os encontros deixaram claro que só há um caminho para fortalecer o combate contra o preconceito e a luta por direitos sociais: a união entre as lideranças comunitárias.

“Eu acredito no fortalecimento pela união, para que as pessoas possam se reunir e se fortalecer juntas”, destaca. Sobre os planos para o futuro como liderança comunitária, Joanda garante que está apenas começando e que tem muitos projetos guardados na “cachola”. Ela afirma que deseja entrar em contato com outras lideranças de Pernambuco que também participaram do curso para impulsionar o impacto da liderança nas comunidades locais.

Além disso, declara que deseja ajudar a resgatar a “escolinha” da associação, que promove aulas de alfabetização para os beneficiários. Outro objetivo é retomar a realização de oficinas artísticas, que contam com aulas de crochê e bordado para estimular a geração de renda dos participantes. “Antes de tudo, eu sou paciente, sabe? E como paciente, eu sempre lutei. E a minha meta é ajudar”, finaliza.