Legado Silenciado: a cientista que aperfeiçoou um tratamento para Hanseníase

Na semana do Dia Internacional da Mulher, conheça a trajetória da cientista afro-americana
que desafiou barreiras de gênero e raça em prol de um tratamento para a doença.

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Quando falamos de hanseníase, é comum lembrarmos sobre a descoberta histórica do Mycobacterium leprae pelo médico norueguês Gerhard Armauer Hansen em 1873, assim como o desenvolvimento da Poliquimioterapia (PQT) como tratamento para a enfermidade.

Mas você sabia que existe um marco importante da hanseníase que foi quase apagado da história? Nesse dia Internacional da Mulher, conheça a trajetória da cientista Alice Ball, uma mulher afro-americana que no início do século XX foi responsável pela descoberta que aprimorou um medicamento utilizado para o tratamento da doença, mas que infelizmente não teve seu mérito reconhecido em vida.

Quem foi Alice Ball?

Alice Augusta Ball, nascida em Seattle (EUA) em 1892, foi uma cientista química e farmacêutica responsável por aperfeiçoar o uso de um dos primeiros tratamentos para hanseníase. Ela foi a primeira mulher negra a se formar pela Universidade do Havaí e conseguiu desenvolver um medicamento injetável à base do óleo da árvore Chaulmoogra, que por muito tempo foi usado como tratamento para a doença. Contudo, até a descoberta de Alice, o uso medicamentoso do óleo puro causava muito sofrimento às pessoas acometidas, uma vez que os pacientes sentiam dores e seu gosto amargo não permitia a ingestão oral do óleo.

A cientista então isolou os compostos químicos do óleo (ésteres etílicos dos ácidos graxos) para que pudessem ser injetados e serem facilmente absorvidos pela corrente sanguínea. A descoberta de Alice gerou o tratamento medicamentoso padrão para hanseníase à época até o desenvolvimento do antibiótico que se tornou base do tratamento da enfermidade.

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Legado não reconhecido: desafios de gênero e raça na ciência

Infelizmente, Alice Ball faleceu aos 24 anos de idade, antes mesmo de seus estudos serem publicados. Quando a sua descoberta veio à tona, os achados da cientista foram creditados indevidamente ao químico norte americano Arthur Lyman Dean, chefe do departamento em que Alice trabalhava na universidade do Havaí.

Arthur Dean ficou conhecido no meio acadêmico justamente por ter sido responsável pelo método de tratamento da hanseníase com o óleo de Chaulmoogra. Ele omitiu a participação de Alice Ball nas pesquisas que publicou sobre o tema nos anos que sucedeu a publicação da descoberta. A química só recebeu o mérito de sua pesquisa no final da década de 1970, através do trabalho das pesquisadoras Kathryn Takara e Stanley Ali, que resgataram sua história e seu protagonismo no engrentamento à hanseníase.

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No artigo “O Apagamento da Contribuição Feminina e Negra na Ciência: Reflexões sobre a Trajetória de Alice Ball”, os autores pontuam que, além da discriminação de gênero, o caso da cientista pioneira no tratamento da hanseníase é perpetuado também através de uma perspectiva de discriminação histórica de gênero e raça.

Alice Ball viveu na época da segregação racial dos Estados Unidos, período em que as leis exigiam a separação de pessoas negras em espaços públicos, além de proibir que fossem contratadas para diversas atividades e os impedia de morar em determinados bairros. Portanto, a presença de uma cientista química negra na academia, mesmo em uma das únicas universidades que permitiam o ingresso de alunos negros no país, representava uma forte ruptura em um sistema opressor.

Desafios retrógrados ainda persistem

A história de Alice representa um roteiro clássico de descredibilização de mulheres na ciência, que ocorre ainda hoje. Isto é o que a pesquisadora e professora do Instituto de Saúde Coletiva (ISC) da UNIRIO/RJ, Maria Aparecida Patroclo, lamenta enfaticamente. “Nós não precisamos ir tão longe na história para vermos a invisibilidade feminina nas conquistas na área da saúde”, avalia ela.

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“Nós vemos que as mulheres vêm sendo preteridas enquanto personagens que devem ser destacadas no campo das ciências, pelo menos nas ciências médicas, campo que durante muito tempo predominou o sexo masculino”, aponta a professora.

Maria Aparecida Patroclo salienta nas disciplinas em que ministra a importância da discussão da desvalorização do trabalho de mulheres na área da saúde, e busca interromper a repercussão do machismo na academia com seus alunos desde os primeiros semestres da faculdade.

O resgate da autoria de Alice Ball na criação de um dos primeiro tratamento para a hanseníase, portanto, precisa ser relembrado. Sua figura é um exemplo de mulheres que transformaram o mundo, apesar das adversidades. Que possamos reconhecer e celebrar a diversidade na ciência!

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