Casos de malária voltam a despontar devido a garimpo ilegal

No dia Mundial da Luta Contra a Malária, entenda como essa
Doença Tropical Negligenciada tem avançado na região amazônica do Brasil.

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Mesmo após estratégias bem-sucedidas no controle e prevenção da malária em Roraima, estudos recentes trouxeram dados desanimadores sobre a doença no estado. Apenas no primeiro ano da pandemia de Covid-19 , enquanto os casos registrados de malária diminuíam nas Américas e em outras áres do Brasil, Roraima registrou um alarmante número de 29 mil novos casos da doença, dos quais mais de 18 mil notificações – o equivalente a 62% do total – se concentraram em áreas indígenas.

O estudo realizado pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/ Fiocruz), Universidade Federal de Roraima (UFRR) e pelo Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade e Biotecnologia em parceria com a Secretaria de Saúde de Roraima (Sesau/RR), mostra que intensas movimentações populacionais decorrentes do carimpo ilegal tem interferido na dinâmica de transmissão da malária. Além disso, a atividade extrativista deixa poços que funcionam como criadouros de mosquitos anofelinos, contribuem para a criação de uma situação ideal de transmissão da doença.

Outro aspecto que contribui para a piora do controle da doença no estado é o tratamento irregular da doença por parte dos próprios garimpeiros. Maria de Fátima Ferreira da Cruz, coordenadora do estudo, explica em matéria da Fiocruz que “os garimpeiros usam medicamentos de origem duvidosa para combater os sintomas da malária e que não têm eficácia garantida”. De acordo com a pesquisadora, isso propicia que o parasita permaneça vivo no organismo humano, favorecendo a infecção de outros mosquitos no momento da picada e contribuindo para o ciclo da doença.

“Por estarem ilegalmente nas terras indígenas, os garimpeiros infectados pela malária se tornam um grupo inviabilizado de ser tratado pelo serviço de saúde, já que não querem que sua presença seja identificada”, destaca Ana Carolina Santelli, médica infectologista que coordenou o Programa Nacional de Controle da Malária entre 2011 e 2017.

Ainda negligenciada

A malária ainda é classificada pela Organização Mundial da Saúde como uma Doença Tropical Negligenciada, já que sua incidência em regiões com populações em vulnerabilidade socioeconômica contribui para o aumento da desigualdade social. A enfermidade também faz parte desse grupo de doenças devido ao baixo investimento em estudos científicos por parte da indústria farmacêutica que busquem aprimorar estratégias em termos de diagnóstico e tratamento da doença.

Causada pelo parasita do gênero Plasmodium, a Malária é transmitida principalmente pela picada do mosquito-prego (mosquitos anopheles) infectados, podendo ser transmitida também pelo compartilhamento de seringas, transfusão de sangue ou no parto, da mãe para o recém nascido.

Ana Carolina explica que existem vários tipos de parasitas desse gênero, mas de diferentes espécies. No Brasil os mais frequentes são os do tipo Plasmodium vivax e Plasmodium falciparum, que apresentam diferentes formas de evolução da doença.

A malária do tipo falciparum, responsável por 17% dos casos (23.408) de malária notificados em 2021 no Brasil, é aquela que evolui com mais velocidade para uma malária grave, sendo relacionada à maior taxa de mortalidade. Já a malária vivax, que corresponde a 83% dos casos (114.449) identificados no mesmo ano, é a forma latente da doença, quando o parasita fica adormecido no fígado da pessoa acometida, podendo reaparecer e causar novos quadros de malária aguda em até 6 meses ou em 1 ano.

“Apesar de se manifestar de forma mais branda, a malária vivax acaba sendo a forma mais difícil de identificar e tratar, uma vez que além do tratamento a nível hepático, é necessário realizar o tratamento das formas agudas sempre que elas surgirem. Mas vale lembrar que para ambas as formas há tratamento é seguro e eficaz ”, destaca Ana Carolina.

Sintomas

Feito com o uso dos antimaláricos, o tratamento é oferecido gratuitamente nas unidades do Sistema Único de Saúde (SUS). O diagnóstico em até 48 horas após os primeiros sintomas e o tratamento adequado são fundamentais para a interrupção do desenvolvimento de casos graves e até de mortes causadas pela malária.

A pessoa infectada pode apresentar os primeiros sintomas entre 10 a 15 dias após a picada do mosquito, como febre, cansaço, mal-estar, enjoo, tontura, dor de cabeça, dores no corpo, perda do apetite e pele amarelada. O diagnóstico pode ser confirmado por meio do exame da lâmina (gota espessa) ou pelo teste rápido. Ambos são adequados para o diagnóstico e podem ser encontrados em unidades de saúde da região amazônica e em serviços de referência.

Ana Carolina Santelli salienta a necessidade não só de inovações para melhores diagnósticos e tratamento mais eficazes, mas sobretudo investimentos que garantam que serviços de saúde alcancem áreas endêmicas, principalmente em regiões como a Amazônia Legal, que hoje concentra o maior número de casos da doença no País. A médica menciona também as estratégias de controle vetorial como ações que devem ser fomentadas e incentivadas, a exemplo do uso de mosquiteiros impregnados de medicamentos contra a malária e inseticidas de longa duração.

“Não podemos esquecer da malária pois, caso contrário, paramos de agir sobre ela! Além disso, como é uma doença que está em prevalência numa das áreas mais esquecidas do Brasil, como é o caso da região Norte, ela está mais propensa a ser negligenciada. A doença tem que ser sempre trazida à tona para que possamos eliminá-la num futuro próximo”, conclui Ana Carolina.