Portugal registra casos de Hanseníase: o que sabemos?

No meses de março e abril Portugal notificou dois casos de hanseníase. Entenda porque a doença
que é considerada eliminada em países europeus ainda deve ser uma preocupação na região. 

Portugal registra casos de Hanseníase

Portugal notificou nos meses de março e abril deste ano dois casos de hanseníase, o que causou repercussão nas redes sociais e gerou alarme para a possibilidade de casos importados de países endêmicos. Um dos casos identificados foi o de uma mulher brasileira que se mudou para o arquipélago da Madeira no início deste ano, o outro envolve um português residente do Porto que teria contraído a doença em uma viagem ao Brasil em março.

Embora Portugal notifique em média seis casos de hanseníase por ano, a doença é considerada eliminada na região devido a ausência de transmissão comunitária. Esse tipo de transmissão acontece entre pessoas que residem na mesma área geográfica, sem que haja histórico de viagem ou seja possível identificar a fonte de contágio. 

Para Liesbeth Mieras, médica e consultora técnica da organização holandesa NLR, a preocupação com os casos de hanseníase na Europa está relacionada à subnotificação por parte dos países. “Nós temos que contar com os dados que conseguimos encontrar no portal da OMS para monitorar a incidência da hanseníase e nem todos os países reportam anualmente devido ao número baixo de casos. Não é informado também se a transmissão ocorreu no próprio país ou se a pessoa infectada migrou para o país já infectada e então foi diagnosticada”, diz ela.

A médica faz uma comparação com a situação em seu país, a Holanda, onde os poucos casos que são identificados são de pessoas que viveram por um longo período em países endêmicos ou provêm de regiões endêmicas e agora vivem na Holanda. Ela ressalta que essa pode ser a realidade em outros países europeus.

Origem dos casos

Como Liesbeth aponta, a maioria dos casos de hanseníase na região europeia são de imigrantes acometidos ou de nativos que passaram um período prolongado em países endêmicos. Porém, um estudo recente revela que, embora a hanseníase seja uma doença incomum na região atualmente, ainda existem casos autóctones na Europa, isto é, casos em que a transmissão acontece na região de residência da pessoa acometida. Com base na literatura disponível sobre a incidência desses casos na região mencionada, o trabalho “Autochthonous leprosy in Europe: a case report and literature review” (2021) aponta que, desde o ano 2000, foram identificados 18 casos autóctones de hanseníase na Europa.

Os autores destacam que a constatação deve ser considerada um alerta, uma vez que, devido à raridade dos casos de hanseníase na região europeia desde a metade do século XX, a maioria dos casos notificados são diagnosticados tardiamente devido à falta de atenção dos profissionais de saúde para a enfermidade e suas especificidades, o que pode levar a sérias complicações na saúde da pessoa acometida.

Liesbeth salienta que, em países onde quase não há casos de hanseníase, é difícil encontrar médicos que tenham sequer visto um paciente com a doença. Nesse contexto, a médica reforça a importância de uma comunidade profissional e técnica que tenha conhecimento sobre a hanseníase, capaz de compartilhar conhecimento com outros colegas da profissão e disponibilizar informações sobre a enfermidade de maneira acessível.

“Na Holanda, temos a NLR, Netherlands Leprosy Relief. Por vezes nós esclarecemos dúvidas de pacientes e até mesmo de médicos que perguntam o que deveriam fazer ou para onde devem ir se caso se depararem com um quadro de hanseníase. Nós conhecemos pelo menos 3 médicos dermatologistas daqui que possuem experiência na área, então nós nos baseamos nesses profissionais e nos hospitais de referência para recomendações”, aponta Liesbeth.

Por que ainda é importante falar de hanseníase em regiões não endêmicas?

Por mais que não exista registros de transmissão comunitária na Europa, é válido que as organizações de saúde globais estejam atentas para casos notificados na região. “É interessante o monitoramento de notícias sobre esses casos, pois a partir do momento que as controvérsias sobre novos pacientes na região surgem, há um efeito negativo, é claro”, diz Liesbeth.

Assim como houve repercussão sobre a origem dos casos notificados em Portugal, é possível que a propagação do fato sem a devida atenção provoque o reforço da desinformação acerca da hanseníase, contribuindo para a perpetuação do estigma que afeta pessoas acometidas.

“Nessas situações é importante que a resposta seja rápida. Porque essas circunstâncias são oportunidades para informar o público em geral que a hanseníase ainda existe e que a população não precisa se assustar. O que nós precisamos fazer é identificar e tratar de forma antecipada os casos para garantir que as pessoas acometidas não desenvolvam nenhum tipo de deficiência”, conclui Liesbeth.