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Amélia Bispo (foto) é uma das pessoas que buscam maior visibilidade para a doença. (Imagem: LABA Ciência)

Em 2020, o Dia Mundial da Doença de Chagas é celebrado pela primeira vez. A data foi instituída em maio de 2019 na Assembleia Mundial da Saúde, reconhecendo a necessidade de dar mais visibilidade à doença, que ainda é um desafio para a saúde pública em escala global. A ideia é também chamar atenção para que todos busquem recursos eficientes para prevenir, controlar e eliminar a doença.

Ela deve ser identificada o quanto antes para que a pessoa acometida tenha mais chances de cura e de qualidade de vida. No entanto, o desconhecimento ainda é um dos entraves para enfrentar a doença. A família de Amélia Bispo soube do diagnóstico do pai apenas quando ele morreu, aos 46 anos. “Ele sempre dizia que tinha o coração grande, mas ninguém sabia que era (doença de) Chagas”, conta.

Com parentes que viveram em casas de taipa no interior da Bahia, Amélia não sabe ao certo quantos deles morreram por causa da doença. “Perdemos pais e tios bem cedo, e nem todos tiveram alguma confirmação no óbito”, relata. Ela descobriu ter também a doença aos 46 anos, a mesma idade que o pai tinha ao morrer.

Prestes a completar 70 anos de vida, a aposentada aposta na informação e nos cuidados individuais. Ela foi diagnosticada quando trabalhava em São Paulo, passando a adotar uma alimentação balanceada para lidar com as complicações intestinais decorrentes da doença de Chagas. Com uma vigilância constante e exames periódicos, ela constata que a saúde vai bem.

Enquanto estava em São Paulo, ela participou de uma associação com outras pessoas acometidas pela doença. E tinha o sonho de mobilizar pessoas na Bahia, para onde ela voltou após se aposentar. “Há 11 anos eu estava lutando, mas sem apoio, sem conhecimento. Eu esbarrava na dificuldade de encontrar pessoas dispostas a se juntar à associação, mas muitas ainda têm vergonha de falar que têm a doença”, comenta.

Para Amélia, um passo determinante para o sucesso foi participar do Curso de Fortalecimento de Lideranças, realizado em 2018 e 2019 pela NHR Brasil. “Eu já voltei do primeiro encontro com um gás renovado. Foi onde encontrei forças para continuar tentando, ver como tentar do jeito certo, como conseguir apoio das pessoas”. Em 2020, ela conseguiu criar a Associação de Chagas da Bahia (Achaba), com sede no município de Camaçari, a 50 quilômetros de Salvador.

Por enquanto, as etapas burocráticas da associação estão paralisadas devido aos serviços afetados pela pandemia do coronavírus. Amélia espera a chance de dar os próximos passos e comemora ter conseguido realizar as primeiras atividades neste ano: conversas sobre a doença nas salas de espera das unidades de saúde do município.

Para ela, a conscientização é uma das estratégias. Amélia espera ver mais pessoas assumindo a liderança para lutar por mais visibilidade. “Minha avó dizia: quem tem sua dor é quem geme. Se a gente não procurar nossos direitos, se a gente não chorar mais alto, quem vai nos dar valor e quem vai nos dar ouvidos?”, questiona.

Dificuldades e negligências

A doença de Chagas é uma das doenças tropicais negligenciadas listadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A estimativa da organização é que entre 6 e 7 milhões de pessoas em todo o mundo estejam infectadas pelo Tripanosoma cruzi, o parasita causador da doença.

Antes restrita às áreas rurais, a doença tem sido registrada em ambientes urbanos graças à mobilidade populacional nas últimas décadas. O Brasil é um dos 21 países da América Latina que concentram as notificações de casos.

Sem notificação obrigatória de casos crônicos, a estimativa é que o Brasil tenha 4,6 milhões de pessoas portadoras do T. cruzi, conforme estudo de revisão sistemática e metanálise citado em boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde em novembro de 2019.

É difícil chegar a uma dimensão real do problema. “Muitas pessoas são acometidas e desconhecem que estão infectadas, mesmo estando com manifestações crônicas da doença”, explica Andréa Silvestre, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). A falta de informação está tanto na população quanto em profissionais de saúde, que por vezes não suspeitam que pode ser doença de Chagas.

Um desafio no enfrentamento é superar negligências múltiplas e estruturais. Na população, a vulnerabilidade social e o desconhecimento sobre direitos de acesso à saúde. Entre profissionais de saúde, incapacidade de reconhecer um grave problema de saúde pública. E um baixo investimento em soluções capazes de combater a doença.

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“Estas pessoas que têm a doença e não são identificadas acabam sendo prejudicadas, podendo perder sua força de trabalho, perpetuando um ciclo de vulnerabilidade social”, resume Andréa. Por isso, falar mais sobre a doença é importante para tentar romper esta lógica .

Dentre as mensagens para a população, ela ressalta a importância de desmistificar o que significa estar com a doença. “Alguns acham que, uma vez diagnosticada, a pessoa recebe uma sentença de morte ou estar condenada a viver mal. Mas existe tratamento e existe cura. Se eu identifico a doença de forma precoce ou sem manifestação crônica, são maiores as chances de ter qualidade de vida. E isso é possível mesmo para quem tem complicações já crônicas”, resume.

Andréa Silvestre é uma das coordenadoras do projeto piloto IntegraChagas-Brasil, com coordenação da Fiocruz e financiamento do Ministério da Saúde. O objetivo é atuar na atenção primária para ampliar o acesso, a detecção e o tratamento da doença de Chagas, trabalhando de forma integrada com a vigilância em saúde. A proposta contempla municípios dos estados de Goiás, Bahia, Minas Gerais, Pará e Pernambuco.

“É importante lembrar que esse bom momento foi paralisado pela pandemia, mas que vamos voltar assim que pudermos. Sem esse cenário da pandemia, o dia de 14 de abril seria grandioso como a primeira comemoração do dia internacional. Mas não vamos nos abater por isso. Mesmo neste contexto, estamos tendo a possibilidade de falar de uma condição crônica grave e muito antiga no Brasil”, conclui.

 

Perguntas e respostas sobre a Doença de Chagas

O que é a doença?

Também conhecida por Tripanossomíase americana, a doença é uma infecção pelo protozoário Trypanosoma cruzi. Ela possui uma fase aguda, quando a pessoa acometida pode ou não apresentar sintomas, e pode evoluir para formas crônicas caso não seja tratada de forma precoce e eficiente.

Cerca de 60% das pessoas infectadas evoluem para uma forma indeterminada da doença, sem manifestação clínica ou alterações em exames complementares. Para as demais pessoas, a doença pode se desenvolver em formas crônicas, com complicações cardíacas, digestivas ou mistas (cardíacas e digestivas).

A doença leva o nome do médico e pesquisador brasileiro Carlos Ribeiro Justiniano Chagas, que descobriu a doença em 1909.

Como ela é transmitida?

- Transmissão vetorial: o inseto conhecido como barbeiro se infecta com o parasita quando suga o sangue de um animal contaminado. O barbeiro tem hábitos norturnos e vive nas frestas de casas de taipa (pau-a-pique), ninhos de pássaros e cascas de troncos de árvores, por exemplo.

A transmissão ocorre quando a pessoa é picada pelo barbeiro e coça o local da picada ou permite o contato com as fezes eliminadas pelo barbeiro, levando aos olhos, à boca ou ao orifício deixado pela picada.

- Transmissão oral: quando a pessoa ingere alimentos contaminados com parasitos provenientes dos triatomíneos infectados. No Brasil, foram registrados casos pela ingestão de caldo de cana ou açaí moído.

- Transmissão vertical: pela passagem de parasitos de mulheres infectadas para os bebês na gravidez ou no parto.

- Transfusão de sangue ou transplante de órgãos de pessoas infectadas.

- Por acidente, no contato da pele ferida ou de mucosas com material contaminado em manipulações laboratoriais.

Quais os sintomas da doença?

Os principais são febre, mal estar, inflamação e dor nos gânglios, vermelhidão, inchaço nos olhos, aumento do fígado e do baço.

A febre pode desaparecer depois de alguns dias, sem que a pessoa perceba que o parasita já possa estar alojado em alguns órgãos do corpo.

Os sintomas nem sempre são perceptíveis. Por isso, estão sob risco as pessoas que:

- Residiram em área com relatos de presença do inseto barbeiro ou reservatórios animais com registro de infecção por T. cruzi;
- Residiram em locais com a possibilidade de convívio com o inseto barbeiro, especialmente casas de taipa, madeira, estuque ou outros materiais que permitam a colonização por triatomíneos;
- Residiram em áreas de transmissão ativa do T. cruzi ou histórico de transmissão no passado;
- Fizeram transfusão de sangue ou hemocomponentes antes de 1992;
- Tiveram familiares ou pessoas do convívio social com o diagnóstico da doença de Chagas.

É importante lembrar que o exame de sangue (parasitológico e/ou sorológico) é realizado de forma gratuita pelo SUS e deve ser solicitado por um médico.

Como é o tratamento?

O tratamento é feito com o medicamento benznidazol, que é fornecido gratuitamente e deve ser indicado pelo médico para pessoas que tenham a doença aguda. Para pessoas com a fase crônica da doença, o uso do medicamento deve ser avaliado caso a caso.

As pessoas com complicações cardíacas e/ou digestivas precisam ser acompanhadas para receber um tratamento adequado para as suas complicações.

 

Data de publicação: 14 de abril de 2020