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No passado, Maria foi separada da família por causa da hanseníase. Ao recomeçar a vida em outro estado, aprendeu que poderia se sentir parte da sociedade. 

 

O dia em que foi retirada do próprio lar por causa da hanseníase continua na memória depois de 44 anos. Em 1974, Maria da Silva Lima morava em uma casa de palha com chão de barro na cidade de Lábrea, perto da fronteira entre Amazonas e Rondônia. “Eu me senti a pior pessoa do mundo, nem assassino era caçado daquele jeito”, relembra. O marido estava viajando quando ela foi levada para o hospital onde ficou isolada da família por dois meses e meio. Maria tinha 22 anos.

 

Hoje com 66 anos, ela não esquece os dias passados dentro da unidade. Conta do episódio em que um médico limpou com álcool a mesa tocada por ela. Logo antes de atear fogo no banco em que ela havia sentado. “Ele disse que eu não tocasse em nada. Eles deixavam a comida na metade do caminho pra gente ir buscar. Até para ir pegar o remédio era em um caminho por fora. Ficava uma fila de gente esperando no sol com o mato na altura da canela”, detalha Maria.

 

O isolamento compulsório foi a política de controle da hanseníase vigente no Brasil entre a década de 1930 e o ano de 1967. Com a cura da hanseníase pelo tratamento medicamentoso, o isolamento não se faz necessário para que se busque evitar a transmissão da doença. Conforme levantamento do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), esta prática persistiu até 1986 no Brasil, isolando as pessoas atingidas pela doença do convívio social e dos familiares.

 

Com Maria, o distanciamento da família durou pouco. Ao voltar de viagem, o esposo foi até a unidade para buscá-la, contrariando as ordens dos médicos e assumindo responsabilidade por ela. Na comunidade, já havia chegado a notícia de que ela estava com hanseníase. “Antes da doença, a gente vivia bem, tinha um mercadinho e uma panificadora. Depois ninguém comprou mais nada nosso, nem as máquinas quiseram quando fechamos tudo”, relata. Foi quando o casal resolveu se mudar para Rondônia em busca de um recomeço. 


Morando em Porto Velho, ela conseguiu trabalho e passou a frequentar os serviços de saúde da capital. Após um tratamento de dois anos, os exames mostravam que ela foi curada. No entanto, ficaram algumas sequelas da doença: “pé caído”, perda de força na mão esquerda e alteração nos nervos dos braços e das pernas. Foram necessárias cirurgias e sessões de fisioterapia para lidar com as dores e dificuldades nos movimentos.

 

Nos atendimentos em Porto Velho, Maria redescobriu o próprio valor. “Eu achava que nunca mais ninguém ia querer nada comigo, nunca imaginei que eu ia voltar a ser alguém. Mas eu fui tão bem acolhida… Médico, enfermeira, todo mundo chegando perto de mim sem ter medo. E se eles não tinham medo, é porque não precisava ter, não é?”, reflete.

 

Desde 2010, Maria participa das reuniões do grupo de autocuidado na Policlínica Oswaldo Cruz (POC), onde conversa com outras pessoas atingidas pela hanseníase e tem acesso a atividades de socialização e geração de renda. A estratégia dos grupos é oferecer um espaço de trocas e aprendizados para quem convive com a doença e suas sequelas. No estado de Rondônia, o trabalho com estes grupos recebe o apoio financeiro e técnico da NHR Brasil.

 

Um novo ciclo

Atualmente, Maria é aposentada por invalidez. Ela sobrevivia do benefício governamental até o ano passado. Foi com oficinas de gastronomia para os integrantes do grupo que ela aprendeu, em 2017, a fazer receitas de lanches e doces para vender. O curso foi um incentivo para o que ela já tentava sozinha. “Antes eu fazia empadão. Colocava o frango pra secar na frente do ventilador, levava para os vizinhos experimentarem”, lembra.

 

As receitas e as dicas de empreendedorismo na oficina fizeram a diferença. Hoje, Maria produz suco verde, sanduíches naturais, pães de mandioca e bombons caseiros. Além de receber encomendas, ela coloca os produtos na caixa térmica e sai fazendo as vendas pelas faculdades e feiras.

 

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Em Rondônia, Maria conheceu outras pessoas atingidas pela hanseníase e fez novas amizades nos grupos de autocuidado

 

Ela incorporou à rotina as idas ao mercado para comprar materiais frescos. Isso porque as oficinas trabalharam com receitas que priorizam alimentos naturais e de baixo teor calórico. Com a nova renda, viu a melhoria na qualidade de vida. “No ano passado, eu olhava para os meus mantimentos tentando ver o que ainda ia ter para comer até chegar o dia do benefício. Hoje eu esqueço quando é o dia de cair o pagamento”, sorri ao fazer a comparação.

 

Agora, ela sonha em expandir a produção. Fez uma pequena reforma na cozinha e busca se informar para financiar a compra de um novo freezer. “Estou firme e forme para continuar. Agradeço a NHR Brasil e as pessoas do grupo que tanto me ajudaram. Eles são os primeiros nas minhas orações”, revela.

 

O resultado das vendas também beneficia um irmão de Maria que ainda mora no Amazonas e que agora passa pelo tratamento da hanseníase. “Hoje envio para ele parte do meu benefício, agora consigo ajudar. Mas ainda quero conseguir trazer meu irmão pra cá, quero que ele seja tratado tão bem como eu fui aqui”, conclui.