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Diferentes faces do preconceito contra as pessoas atingidas pela doença foram abordadas em seminário com representantes da saúde, da educação e de organizações da sociedade civil

Esconder a doença dos familiares ou dos vizinhos. Não ir à unidade de saúde com medo da discriminação dos profissionais. Deixar de ir à igreja, ser demitido do trabalho, ser excluído da convivência dos amigos, ouvir comentários pejorativos. Situações como essas são realidades relatadas por pessoas atingidas pela hanseníase no Brasil. Elas retratam o estigma em seus diversos aspectos, acarretando sofrimento e dificultando o convívio social nas famílias e comunidades.

As origens e as repercussões do estigma associado à hanseníase foram dialogadas com gestores e profissionais de saúde, educação e representantes de organizações da sociedade civil no município de Floriano, no Piauí. Situada a 247 quilômetros de Teresina, a cidade abriga relatos de atitudes de discriminação e exclusão das pessoas atingidas pela doença no passado, como a queda no número de matrículas em escola vizinha a uma família atingida pela doença e a criação de um cemitério exclusivo para pessoas que eram conhecidas por ter hanseníase.

Confira a reportagem da TV Alvorada sobre o evento

Segundo a Secretaria Municipal da Saúde (SMS), as unidades de Floriano contam atualmente com 48 pessoas em tratamento pela hanseníase. Para delinear ações que enfrentem o preconceito, o município sediou o I Seminário Estigma e Hanseníase, realizado nos dias 3 e 4 de dezembro. O evento teve a participação de autoridades locais, como o vice-prefeito Antônio Reis, a secretária municipal da Saúde, Thais Braglia, o deputado estadual eleito Francisco Costa e o vereador Miguel Vieira de Barros. O seminário foi realizado no campus da Universidade Federal do Piauí (UFPI) em Floriano. O evento também contou com a parceria do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan). 

Territórios estigmatizados

O histórico do estigma na hanseníase foi apresentado na conferência de abertura por Héllen Xavier, mestranda em Saúde Pública pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Algumas atitudes vinculadas à doença foram descritas, como a sensação de medo e julgamentos morais reforçados pelo desconhecimento sobre a hanseníase. Uma realidade que não foi resolvida após a adoção do tratamento com a poliquimioterapia e a perspectiva de cura para os pacientes. Na apresentação, Héllen convidou à reflexão sobre a necessidade de intervenções a nível comunitário para combater o estigma.

A percepção da hanseníase em Floriano foi estudada em 2018 por acadêmicos que integram o projeto Territórios Estigmatizados Pela Hanseníase, realizado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), com colaboração da Universidade Federal do Ceará (UFC) e do financiado pela NHR Brasil. Alguns resultados da aplicação de escalas para mensurar o estigma individual e comunitário no município foram apresentados e discutidos durante o seminário. As aplicações sobre o estigma individual verificaram que, dentre 100 pessoas atingidas pela doença, 64 não contaram sobre o diagnóstico para pessoas fora do domicílio.

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Outro resultado compartilhado foi a análise de que o estigma esteve mais presente em profissionais da educação do que em profissionais de saúde entrevistados, dado obtido da aplicação de escala para medir as percepções negativas das comunidades em relação às pessoas acometidas. Dentro desta perspectiva, a programação incluiu o debate sobre a responsabilidade e o envolvimento das escolas no combate ao preconceito e nas estratégias de educação e saúde.

Outros estudos sobre a hanseníase em Floriano tiveram início em 2015, com a pesquisa IntegraHans Piauí, buscando uma abordagem integrada da hanseníase em municípios hiperendêmicos, incluindo também a cidade de Picos. A pesquisa fez uma busca ativa dos casos confirmados entre 2001 e 2014, realizada em uma parceria da Universidade Federal do Piauí (UFPI) com a Universidade Federal do Ceará (UFC), secretarias de saúde do Estado do Piauí e dos municípios de Picos e Floriano, NHR Brasil e CIOMAL.

Estratégias futuras

As ideias para enfrentar o estigma no município foram discutidas e descritas pelos participantes em quatro grupos formados durante o seminário. Uma agenda de recomendações com as soluções propostas será finalizada e apresentada aos gestores municipais e estaduais no mês de janeiro. As ações sugeridas incluem a criação de grupos de autocuidado, cursos sobre os direitos das pessoas atingidas pela hanseníase, apresentações teatrais e rodas de conversas nas escolas, igrejas e associações comunitárias.

Os grupos também sugeriram a criação de um centro cultural de saúde, permitindo trabalhar estratégias de saúde e educação para a comunidade de forma lúdica. Esta foi uma alternativa de utilização do espaço da antiga escola Ulisse Marques, cujo fechamento foi associado ao estigma. 

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As ideias a serem concretizadas não podem esquecer do foco nas unidades de saúde, alertou a pesquisadora Maria Leide de Oliveira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ela enfatizou que é preciso fazer campanhas e atividades nestes espaços, onde as pessoas atingidas pela hanseníase devem ser atendidas e tratadas de forma digna, livres de qualquer atitude discriminatória ou constrangedora. Ainda segundo Maria Leide, o estigma pode atrapalhar a adesão ao tratamento, levando também ao sofrimento emocional e à depressão.

Confira a galeria de fotos do I Seminário Estigma e Hanseníase no estado do Piauí

Outra das recomendações pactuadas no seminário foi o fortalecimento do Programa Saúde nas Escolas. Professores e gestores da educação em Floriano contribuíram com o debate, formulando alternativas que tornem as ações atrativas para alunos, pais e educadores. Conforme a pedagoga Dalva Stella Ferreira, da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), é necessário o compromisso com a ideia de transformar a escola em espaço de discussão e quebra de preconceitos. Ela apontou que a saúde é um dos temas transversais nos currículos escolares, sendo uma responsabilidade de todos os professores.